Carreira

Lançando novas sementes: a aposta global da Embrapa agora chega à África e à Ásia

A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, fala com exclusividade à EXAME sobre a COP30 e a parceria estratégica com países como Marrocos, Japão e Arábia Saudita - que envolve até intercâmbio de pesquisadores

Silvia Massruhá, presidente da Embrapa: "A parceria com a África é fundamental, e o novo escritório será um ponto chave para fortalecer essas relações" (Embrapa/Divulgação)

Silvia Massruhá, presidente da Embrapa: "A parceria com a África é fundamental, e o novo escritório será um ponto chave para fortalecer essas relações" (Embrapa/Divulgação)

Publicado em 17 de junho de 2025 às 10h00.

Última atualização em 18 de junho de 2025 às 11h41.

Tudo sobreeconomia-internacional
Saiba mais

Arfoud - Marrocos* - Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá é a primeira mulher a liderar a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Antes de assumir o cargo em 2023, Massruhá, carrega um histórico com a instituição desde 1989. Com formação em Análise de Sistemas, mestrado na área de Automação pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, e Doutora em Computação Aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2003) (Inpe), Massruhá esteve à frente de grandes projetos especialmente no campo da informática agropecuária.

A presidente agora direciona esforços para a ampliação da presença internacional da instituição, com ênfase na sustentabilidade, inovação tecnológica e parcerias globais.

Em entrevista exclusiva à EXAME, a presidente da Embrapa conta mais sobre a sua próxima missão que envolve relações bilaterais com países da África e da Ásia e uma agenda planejada especialmente para a COP30, que será relaizada no Brasil.

Intercâmbio de talentos e troca de conhecimentos científicos 

"O agronegócio representou 25% do PIB brasileiro no último ano e a expectativa é que esse número cresça 5 pontos percentuais no próximo período", afirma Massruhá. Para isso, a grande aposta deste ano da instituição está na parceria do Brasil com mercados globais, seja por meio da capacitação e intercâmbio de pesquisadores, dentro e fora do país, e na troca de avanços tecnológicos com a inteligência artificial no campo. “O nosso foco está na sustentabilidade, inovação e na colaboração internacional”, afirma.

Fatores externos, como a guerra da Ucrânia, têm o poder de abalar economias ao redor do mundo, e o Brasil não ficou imune aos impactos dessa crise. Com a interrupção das exportações de fertilizantes pela Rússia e Ucrânia, o Brasil enfrentou uma escassez de insumos essenciais para o agronegócio, afetando diretamente sua produção agrícola.

"Quando começou a guerra, uma preocupação que o Brasil teve foi a falta de fertilizantes, porque temos uma dependência de 85% de importação deste produto de vários países", afirma Massruhá.

A crise de abastecimento gerada pela guerra provocou um replanejamento do setor, levando o Brasil a buscar alternativas para reduzir sua dependência de fertilizantes sintéticos. Em resposta, a Embrapa criou iniciativas como a "Caravana FertBrasil", com o objetivo de treinar produtores rurais e agrônomos, oferecendo soluções sustentáveis, como os bioinsumos.

Esse contexto estimulou o Brasil a olhar ainda mais para fora e a identificar novas oportunidades de colaboração com outros países. Parcerias internacionais com nações produtoras de fertilizantes se tornaram essenciais para garantir a sustentabilidade do agronegócio brasileiro. Essa estratégia levou Massruhá até Marrocos no último mês, junto com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para estreitar as relações bilaterais com o país africano.

"A nossa visita no Marrocos foi no sentido de aproximação por dois motivos principais", diz Massruhá. Ela destacou que, enquanto o Brasil é referência em tecnologias para a agricultura tropical e práticas sustentáveis, Marrocos é um grande produtor de fertilizantes fosfatados, o que representa uma importante área de cooperação.

"O Brasil importa 70% do fosfato de Marrocos, e esse é um ponto crucial para a parceria. Por isso vamos apostar em um intercâmbio entre os pesquisadores dos dois países", afirma.

Para ajudar esse plano a ser colocado em prática, a Embrapa está trabalhando na criação de um novo centro de excelência em fertilizantes no Rio de Janeiro até o próximo ano, que será um hub de pesquisa e desenvolvimento, contribuindo para a inovação tanto no Brasil quanto no país africano. Esse centro funcionará como um polo de pesquisa conjunta entre a Embrapa, a OCP Fertilizantes (empresa marroquina especializada em nutrição de plantas) e a Universidade Politécnica Mohammed VI (UM6P), afirma a presidente.

“O objetivo é criar soluções inovadoras em parceria com diferentes países, como Marrocos, para enfrentar os desafios globais relacionados à segurança alimentar e à sustentabilidade do agro no Brasil”, afirma.

Enquanto Marrocos pode contribuir sobre o cultivo de fertilizantes, o Brasil, por sua vez, tem uma grande oportunidade de colaborar com outras áreas. "Estamos avançado muito no uso de bioinsumos, e essa é uma área de grande interesse para Marrocos", afirma a presidente da Embrapa, que ressaltou a crescente importância de tecnologias adaptativas para mitigar os impactos das mudanças climáticas. "Também somos líder na adaptação da agricultura tropical, desenvolvendo cultivares mais resistentes ao estresse hídrico e a doenças", diz.

Outra expertise do agronegócio brasileiro está nas políticas públicas que incentivam práticas agrícolas sustentáveis, afirma a presidente, que destaca como exemplo o Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC+), que já demonstrou resultados positivos ao recuperar áreas degradadas.

A relação do Brasil x Marrocos vai além dos fertilizantes

O Brasil importa de Marrocos, além de fertilizantes, peixes e frutos do mar e produtos têxteis, embora em volumes menores. Em 2024, Marrocos importou US$ 1,36 bilhão em produtos agrícolas do Brasil, com destaque para café, setor sucrocoleiro, cereais e farinhas. A carne bovina, especialmente em cortes e miúdos, também se tornou um item importante nesse comércio, com a autorização para importar animais vivos e miúdos bovinos.

"Agora, Marrocos está abrindo mais o mercado para carnes e outros produtos, com a entrada do Brasil no mercado marroquino após a autorização sanitária", afirma Massruhá.

Um novo escritório na África

Neste mês a Embrapa tomou um novo passso frente às alianças internacionais. Além das oportunidades de intercâmbio entre pesquisadores de Brasil e Marrocos, agora a instituição brasileira estará presente no escritório coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores na África, localizado em Adis Abeba, Etiópia.

A nova unidade será responsável por facilitar o intercâmbio científico e técnico entre o Brasil e a África, com foco na agricultura e nas questões de segurança alimentar. No segundo semestre de 2025, a Embrapa receberá 30 pesquisadores africanos no Brasil para aprofundar a colaboração em diversas áreas do setor agropecuário.

"A ideia é que o escritório ajude na troca de conhecimentos e no fortalecimento das relações entre o Brasil e os países africanos, especialmente na área agrícola”, afirma Massruhá, que reforça que a Embrapa tem também escritório nos Estados Unidos e na França.

Além de promover o intercâmbio de tecnologias e práticas agrícolas sustentáveis, o escritório será um ponto de articulação para o desenvolvimento de políticas públicas e a implementação de soluções para os desafios enfrentados pela África, como as mudanças climáticas e a segurança alimentar.

Massruhá acredita que a experiência do Brasil em práticas sustentáveis e inovação no agronegócio será um modelo valioso para os países africanos. "A parceria com a África é fundamental, e o escritório será um ponto chave para fortalecer essas relações", afirma.

Cooperação com outros países - foco na Ásia

Além de países da África, a Embrapa mantém uma rede de parcerias com mais de 40 países, incluindo China, Japão e Arábia Saudita, países que a instituição está cada vez mais focada em promover a troca de tecnologias que fortaleçam a agricultura sustentável.

"Temos uma relação técnica com a China, que é nosso maior parceiro comercial, principalmente na área de biotecnologia e inteligência artificial aplicada ao campo", conta Massruhá.

Massruhá também menciona o apoio do Japão, que tem sido fundamental na expansão da agricultura no Cerrado brasileiro e agora deseja colaborar na transição para uma agricultura mais sustentável e resiliente. Para isso, um dos projetos em andamento da Embrapa com o Japão envolve um investimento de US$ 5 milhões e está centrado no desenvolvimento de tecnologias para agricultura digital e de precisão. “Essa iniciativa visa aprimorar a eficiência da produção agrícola por meio da integração de ferramentas digitais avançadas, promovendo práticas agrícolas mais sustentáveis e adaptadas às mudanças climáticas”, diz.

Outro projeto da Embrapa com os japoneses tem previsão de 10 anos e foca na pecuária sustentável e no desenvolvimento de sistemas agroflorestais no Brasil. “A colaboração com o Japão busca integrar práticas agrícolas que conciliem a produção com a preservação ambiental, utilizando tecnologias inovadoras para otimizar o uso dos recursos naturais e reduzir os impactos ambientais da atividade agropecuária”, afirma a presidente.

Outro país que está estreitando laços com o agronegócio brasileiro é a Arábia Saudita que tem interesse em conhecer mais sobre as práticas de adaptação para o semiárido brasileiro, especialmente na agricultura irrigada e fruticultura irrigada.

"Eles têm muito interesse no trabalho que o Brasil fez na adaptação para o semiárido, especialmente no uso inteligente da água", afirma a presidente."Eles também estão interessados em ver como a produção de tâmaras, que é o forte deles no Oriente Médio, poderiam se desenvolver no Brasil", diz a presidente que afirma que está discutindo uma parceria com esse país também.

Desafios e a expectativas para o futuro do agro

O maior desafio da Embrapa, segundo a presidente, está na transição para uma agricultura cada vez mais sustentável, sem comprometer a produtividade. "A sustentabilidade precisa ser integrada à produção de alimentos, fibras e energia, sem a expansão de áreas agrícolas", diz.

Com o agronegócio representando 25% do PIB brasileiro no último ano, as expectativas para 2025 continuam promissoras, segundo a presidente. Com a maior produção de soja este ano, a expectativa é de um aumento projetado de 5 a 5,5 pontos percentuais no PIB. "A expectativa é de uma maior produção de soja neste ano, com a previsão de ultrapassar os 300 milhões de toneladas", afirma.

Embrapa na COP30 e a jornada pelo clima

A COP30, que ocorrerá no Brasil este ano, será uma vitrine para a Embrapa mostrar como é possível conciliar a produção agrícola com a preservação ambiental, afirma Massruhá. "Nós estamos trabalhando para mostrar que o Brasil pode produzir e preservar ao mesmo tempo".

Para essa agenda, a Embrapa está organizando uma jornada pelo clima, com sete eventos em diferentes biomas brasileiros, para discutir tecnologias de adaptação às mudanças climáticas.

"A COP30 será um marco para a agricultura do futuro, com foco na sustentabilidade econômica, ambiental e social", afirma Massruhá, enfatizando que as tecnologias agrícolas desenvolvidas pela Embrapa têm o potencial de contribuir para o equilíbrio entre produção e preservação.

Para Massruhá, o Brasil tem um papel chave na segurança alimentar global, especialmente à medida que o país se adapta a novas demandas e desafios climáticos por meio da tecnologia e de parcerias globais.

"O Brasil, com sua diversidade de biomas, tipos de clima e novas tecnologias, se tornou referência em produção agrícola", diz Massruhá. "Com isso estamos nos posicionado como peça-chave na segurança alimentar global. Produzir de maneira mais eficiente e sustentável é o nosso maior diferencial, mas continua sendo o nosso maior desafio no palco global do agronegócio".

Acompanhe tudo sobre:economia-internacionalAgronegócioEmbrapaMulheres executivas

Mais de Carreira

O CEO que começa o dia navegando pelas redes sociais e depois treina como um atleta de alto nível

‘As pessoas querem ser donas do seu tempo’: como o RH virou vantagem competitiva para essa executiva

Como saber se você está em uma ‘jornada de trabalho infinita’?

Você precisa conhecer esses três prompts do ChatGPT para acelerar os resultados do seu negócio