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Judicialização seguirá como regra no Carf, diz tributarista

Luiz Gustavo Bichara analisa que julgamentos decididos via voto de qualidade deverão seguir levando contribuintes ao judiciário

A ideia do Governo é aumentar a arrecadação pelos julgamentos para reduzir o déficit das contas públicas (Mario Tama/Getty Images)

A ideia do Governo é aumentar a arrecadação pelos julgamentos para reduzir o déficit das contas públicas (Mario Tama/Getty Images)

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Publicado em 6 de outubro de 2023 às 13h00.

Desde o primeiro mês do governo Lula que a retomada do voto de qualidade pró-União em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) voltaram ao centro do debate no mundo tributário. Inicialmente via Medida Provisória (MP), que, por falta de apreciação pelo Congresso Nacional, foi convertida em Projeto de Lei, a proposta foi aprovada por Câmara e Senado e sancionada pela Presidência no último dia 20 de setembro.

A ideia do Governo Federal com a medida, conforme posicionamento do Ministério da Fazenda, é aumentar a arrecadação a partir dos julgamentos como forma de reduzir o déficit das contas públicas. Para o tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, o tratamento dispensado pelo Executivo ao tema não passou de 'muito barulho por nada'. "Imaginar que o ajuste fiscal virá do voto de qualidade talvez seja um pouco de inexperiência", diz.

Segundo o advogado, historicamente os julgamentos do tribunal administrativo foram favoráveis ao Fisco. "O que acontece é que o contribuinte, quando perde, vai à Justiça, que geralmente é mais isenta. Então, são inúmeras as matérias que, após decisão contrária via voto de qualidade, o contribuinte judicializa e vence." Segundo ele, algumas empresas podem até decidir pelo pagamento após negociação por conta da nova lei, "mas as grandes questões vão continuar sendo judicializadas", afirma. 

A opinião do tributarista sobre a questão da arrecadação

Questionado sobre qual seria a 'pegadinha', já que o PL não traria inovações, o tributarista foi sucinto: "Acho que não teve pegadinha. Foi erro de cálculo mesmo. E como o assunto é árido, tem muita gente caindo. Todo mundo que está no dia a dia (dos tributos) sabe que não vai haver a arrecadação extra, por força do voto de qualidade, esperada pela União", diz.

O advogado se refere a previsões de ampliação da arrecadação feitas pelo Ministério da Fazenda ao propor a retomada do dispositivo. Para ele, o término da discussão administrativa não implica em pagamento do tributo. Apesar do entendimento, o presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, já afirmou em entrevistas que o acréscimo de R$ 54,7 bilhões esperado pelo governo com julgamentos no órgão no próximo ano será obtido “com tranquilidade”.

Até o fim de 2024, Higino afirma que é possível julgar pelo menos a metade do valor total em disputa no conselho e se comprometeu a analisar casos que somam R$ 550 bilhões no prazo de um ano. Ele revela ainda que o órgão deverá promover um esforço concentrado de julgamentos dos processos de alto valor, que têm prioridade na fila.

"Não tenho nenhuma informação de que as empresas vão pagar com essa mudança. Não sei. Mas, para mim, essa conta de aumento de arrecadação do governo é contabilidade do universo paralelo", diz o tributarista. 

O consultor jurídico da Federação do Comércio de São Paulo (FecomercioSP), Alberto Borges, segue a mesma linha, e acrescenta: "Com a informatização, o Fisco sabe basicamente todos os movimentos dos contribuintes. E se, nem ele, que tem acesso a essas informações, consegue formar maioria no Carf, isso só confirma que a cobrança seria indevida", declara. 

A entidade, contrária ao voto de qualidade, lamenta em nota a homologação do PL e declara que "o Conselho não pode ser utilizado como instrumento arrecadatório de receitas para o Estado". Segundo Borges, a FecomercioSP vai acompanhar de perto a tramitação no Congresso, que pode derrubar vetos presidenciais e restabelecer o empate pró-contribuinte. O relator da matéria na Câmara, o deputado Beto Pereira (PSDB-MS), já declarou que tentará sensibilizar o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), e os líderes partidários para que os vetos sejam rejeitados.

Em analogia, Haddad compara indicados por contribuintes a 'detentos'

Antes da sanção do PL do Carf, mas com a matéria já aprovada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao programa Canal Livre (Band), no último dia 17 de setembro, comparou conselheiros indicados por contribuintes a detentos: "É a mesma coisa que você pegar quatro delegados e quatro detentos para julgar um habeas corpus, sendo que o empate favorece o detento."   

Em reação, a Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf) divulgou nota de repúdio pontuando que Haddad "se esqueceu" de informar que o Conselho passou oito meses sem nenhum julgamento em 2022 por conta da greve geral da Receita Federal, que desmobilizou conselheiros representantes do Fisco.

Sobre a comparação a detentos, a entidade afirma que "o ministro se afasta da liturgia respeitosa da função que ocupa." E que Haddad deveria se pautar por fundamentos técnicos e jurídicos para defender o voto de qualidade. A Aconcarf acrescenta que, em momento algum se posicionou contra ou a favor do dispositivo, a fim de evitar qualquer tipo de insinuação de 'parcialidade'. 

A Aconcarf afirma, ainda, que "não há 'licença política' para ataques aos conselheiros, os quais somente desempenham suas funções aplicando a lei de acordo com o que for estabelecido pelos Poderes Legislativo e Executivo". A entidade expõe também as disparidades das condições de trabalho de conselheiros apontados pelos contribuintes comparativamente aos colegas fazendários. 

Alberto Borges (FecomercioSP) classifica a declaração do ministro como uma prova definitiva do desconhecimento dele acerca da estrutura do Carf e da qualidade dos conselheiros, sejam indicados pela União ou contribuintes. "Com todo respeito, além de a comparação fazer uso do direito penal – não do tributário – o ministro está classificando os representantes dos principais financiadores do governo, que são os empresários, de bandidos. Proponho que ele vá acompanhar uma sessão do Conselho para verificar a seriedade desses profissionais e a qualidade do trabalho que eles desempenham", afirma. 

Diversas outras entidades divulgaram nota em desagravo aos conselheiros, entre elas a Associação dos Advogados (AASP), Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), a Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet), Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), Mulheres no Tributário (MT), o Tax & Women e o Women in Tax (WIT) Brazil.

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