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Por Márcio de Freitas*

O encontro dos Brics na África do Sul evoca a memória de Nelson Mandela, um líder tão expressivo que, mesmo falecido, ainda faz sombra a protagonistas atuais da política, como Lula e Cyril Ramaphosa. A ambição de se projetarem internacionalmente, ou mesmo de forma regional, como referências na seara internacional é frustrada pela confusão de mensagens pouco claras, pela falta de vigor no exemplo moral e pelos passivos que acumularam na vida pública.

Ramaphosa militou juntamente com Mandela no Congresso Nacional Africano (CNA), o partido que combateu o apartheid na África do Sul. Habilidoso, voluntarioso e dedicado, recebeu reconhecimento no partido e elogios de Mandela, que o via como um dos futuros líderes de seu país. Estava certo, como mostra a história.

Ramaphosa também fez adversários, perdeu disputas internas e eleições. Foi para a iniciativa privada e abandonou por um tempo a vida pública. Voltou como vice-presidente de Jacob Zuma, que caiu por denúncias múltiplas de corrupção. O vice virou presidente, foi reeleito superando também suas próprias acusações de envolvimentos em ilícitos. E busca assumir um protagonismo na luta pela melhoria da África no cenário internacional, com maior desenvolvimento, intercâmbio econômico e diminuição da pobreza.

A desigualdade da África do Sul é tão marcante quanto a brasileira. O apartheid caiu e as regras de segregação se tornaram ilegais, mas a pobreza ainda tem cor no país e fronteiras geográficas bem delimitadas que tornam ilimitadas a distância entre a maioria de pobres pretos e a minoria de ricos brancos. Lá, como aqui, os pretos e os mestiços dividem as sobras de enorme miséria.

Na sua luta, Mandela se aproximou de indianos e mestiços. Curiosidade: Gandhi fez uma de suas primeiras manifestações políticas na África do Sul. Mandela aderiu aos princípios do enfrentamento armado, mas nunca os praticou. Foi preso antes disso. Assumiu uma posição de enfrentamento pela via legal, advogado que era e, processado, usou seus argumentos de defesa para denunciar os algozes de seu povo. Conseguiu que o mundo condenasse o regime dos africâneres (descendentes de holandeses).

Mandela ficou preso 27 anos na sua luta contra a segregação e pelo direito de voto para seu povo. Ganhou o Nobel. Foi presidente por voto direto. Começou um processo de resgate do país, com base nas coisas que aprendeu desde a infância: a democracia era uma característica das tribos africanas do Transkei, sua região natal. Os líderes mais ouviam do que falavam. E as decisões eram quase sempre conquistadas após muitas discussões. Buscava-se o consenso exaustivamente, relatou Mandela em sua autobiografia.

Depois de preso, ficar anos sem ver os filhos, sem o direito de sepultar a mãe e seu primogênito, Mandela foi libertado. Construiu um governo democrático sem ódio ou rancor para a inclusão de todos: um país para negros, indianos e brancos. E saiu da política para viver com a família e o povo seus últimos anos.

Seus ensinamentos ainda estão à disposição de Lula e Ramaphosa, que podem aprender muito com sua história. Mandela era useiro em elogiar as instituições ocidentais, como os tribunais — de onde sua voz alcançou o mundo. Elogiava a democracia dos Estados Unidos. Pelos Brics e pelos acordos com a China, nesta semana, Lula e Ramaphosa ficaram mais próximos de ditadores e líderes autoritários incluídos no grupo geopolítico.

Ao sair da prisão, Mandela foi morar na mesma casa que havia sido sua 27 anos antes. Tinha quatro cômodos modestos. Winnie, então sua esposa, havia construído outra enorme e moderna residência em outro bairro melhor e mais distante. Mandela preferiu ficar morando com sua história, perto de seu povo, e deixou os luxos para a mulher, de quem algum tempo depois se separou. Ficou próximo da democracia, e longe dos luxos fáceis que a autocracia pode oferecer.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação  

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