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Saúde de SP pagou R$ 142 mil por tomógrafo de R$ 85 mil, diz Receita

Devassa feita pelo Fisco apontou que equipamentos foram fornecidos sem pesquisa de mercado e eram sublocados por quase a metade do preço

Saúde: empresa disse que valor era por transporte, instalação, manutenções preventiva e corretiva, seguro, modernização e substituição do tomógrafo (Alexandre Battibugli/Exame)

Saúde: empresa disse que valor era por transporte, instalação, manutenções preventiva e corretiva, seguro, modernização e substituição do tomógrafo (Alexandre Battibugli/Exame)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 5 de junho de 2019 às 15h05.

São Paulo - A Receita Federal apontou que equipamentos pagos com dinheiro público à Saúde do Estado de São Paulo foram fornecidos sem pesquisa de mercado e eram supostamente sublocados por quase a metade do preço pela empresa que os entregou. Trata-se de uma das conclusões do fisco em uma devassa sobre uma Organização Social de Saúde que mantém contratos bilionários com a Secretaria Estadual de Saúde, e também presta serviços para a Capital Paulista.

 

 

A investigação corrobora com suspeitas levantadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito que mirou Organizações Sociais de Saúde (OSS) na Assembleia Legislativa de São Paulo. Os documentos foram obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Serviço Social da Construção Civil (Seconci) é a entidade que está em segundo lugar no ranking das OSS que mais receberam repasses entre 2014 e 2018. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, foram R$ 3,5 bilhões em contratos. A entidade foi fundada em 1964 por um grupo de empresários para dar assistência a seus trabalhadores e famílias, e, além de hospitais públicos, também administra filantrópicos.

O Seconci afirma que já prestou esclarecimentos à Promotoria e que seus contratos geraram economia de R$ 600 milhões em cinco anos. "Com relação aos desdobramentos naturais do Auto de Infração, como seu envio ao Ministério Público Estadual - todos os questionamentos feitos pela Promotoria já foram adequadamente esclarecidos, devendo destacar que a fase é de apuração em esfera civil administrativa, não havendo qualquer acusação feita contra a entidade e seus representantes", afirma.

Na prática, por ser uma entidade de terceiro setor, a legislação permite que o Estado contrate as OSS sem licitação para a gestão de hospitais do Sistema Único de Saúde.

O Seconci faz a gestão de hospitais estatuais e municipais. Também é responsável por unidades de Assistência Médica Ambulatorial da Prefeitura da Capital.

A entidade é detentora de contratos essenciais para a logística do SUS em São Paulo, como a Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde, a Central de Armazenamento e Distribuição de Insumos de Saúde e o Serviço Estadual de Diagnóstico por Imagens II.

Em uma investigação que se iniciou em 2016, e foi encerrada com uma representação por atos de improbidade administrativa, a Receita Federal enumerou uma série de supostas irregularidades. A devassa selecionou parte dos contratos da entidade. Durante dois anos, auditores fizeram 13 pedidos de documentos ao Seconci. Realizaram também 12 diligências em empresas contratadas pela entidade, no âmbito de convênios com o Poder Público. Parte delas, ligada aos próprios dirigentes da OSS.

Entre os casos apontados pela Receita, salários de parte dos dirigentes estariam acima dos vencimentos do governador do Estado, serviços supostamente pagos em duplicidade, ou despesas com contratos nunca executados, além de cláusulas contratuais "prejudiciais ao interesse público", e renovações de contrato automáticas, sem a devida pesquisa de mercado.

Parte das subcontratações apontadas pela Receita Federal como suspeitas teriam ferido o inciso XII, artigo 10 da lei 8.249 (lei de improbidade administrativa), que prevê que constitui ato de lesão aos cofres públicos "facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente". Um dos casos apontados se refere a uma subcontratação em que, de acordo com o fisco, o valor do contrato era muito superior ao do equipamento fornecido.

De acordo com a Receita, "para a disponibilização de um aparelho de tomografia computadorizada por emissão de positrons, o Seconci-SP celebrou contrato de locação com a Eiquip Gestão e Locação de Equipamentos por R$ 142 mil mensal, sem ter efetuado nenhuma pesquisa de mercado". "A Eiquip, por sua vez, locou o mesmo equipamento da Sul Imagem Produtos para Diagnósticos Ltda pelo valor de R$ 85 mil".

O fisco dá conta de que "a contratação da Eiquip Locação de Equipamentos, sem tomada de preços no mercado, o Seconci SP se justificou por meio de uma declaração onde afirma que foi feito pesquisa no mercado e que a Eiquip foi a única empresa capacitada para oferecer os serviços e foi contratada pela experiência na área".

A Receita toma como base entendimento do Tribunal de Contas da União, firmado com base no relatório do ministro Raimundo Carreiro: " Ao contratar terceiros com verba pública, as Organizações Sociais não se sujeitam às legislações sobre licitações, mas devem elaborar e obedecer regulamento próprio, que deve estrita observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e economicidade, além de realizar, no mínimo, cotações prévias de preços no mercado".

"Pesquisando os contratos sociais na Jucesp, verificamos que a Eiquip foi constituída em 1996 e em 04/2010 alterou o objeto social com a inclusão de manutenção, assistência técnica e locação de equipamentos. Nos arquivos da Receita Federal consta que a Eiquip esteve inativa de 1999 a 2009, a movimentação financeira iniciou em junho de 2010 e o contrato com o Seconci foi celebrado em 05/2010", afirma a Receita.

Para o fisco, não procede a alegação do "Seconci SP, de que a Eiquip foi contratada pela sua experiência na área e que era a única empresa capacitada para oferecer os serviços".

A mesma empresa, segundo a Receita, foi contratada para "disponibilização e gerenciamento de equipamentos geradores de imagens radiológicas, para o financiamento ininterrupto do SEDI II (Serviço Estadual de Diagnóstico por Imagens II) e das unidades que o integram, conforme contrato".

De acordo com a Receita, o SEDI II pagou para a Eiquip pela locação e manutenção de um equipamento que em outubro não estava ainda instalado e por consequência nem manutenção necessitava". Os termos envolvem o valor de R$ 1,2 milhão.

Defesas

O médico Alberto Eigier, dono da Eiquip, se manifestou sobre o caso.

"Frente aos questionamentos (...) vem esclarecer e ratificar que sua contratação por entidades, organismos e empresas, com as quais atua, respeitam integralmente a legislação e demais parâmetros éticos e comerciais. Em primeiro lugar: a contratação da Eiquip para locação de tomógrafo computadorizado com emissão de pósitrons - PETCT, para o SECONCI-SP, esclarecemos o seguinte:

A Eiquip locou para o SECONCI-SP o referido equipamento pelo valor de R$ 142.000, já inclusos transporte e instalação, manutenções preventiva e corretiva, seguro, modernização e substituição do mesmo.

Trata-se de um equipamento novo, importado e extremamente caro, cuja instalação requer equipe altamente especializada, principalmente por se tratar de equipamento nuclear. A estrutura de instalação, que foi coberta contratualmente pela Eiquip, é robusta, pois contempla isolamento contra radiação nuclear, tudo controlado pela CNEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Não se trata, portanto, de mera locação de equipamentos.

Também esclarece que aluga tal equipamento da Sul Imagem, com opção de compra - praxe no setor em que atua - que não permite, sequer, a desistência em caso de rescisão dos contratos com seus tomadores de serviços, o que significa que assume integralmente o risco desse tipo de operação.

Por exemplo, em caso de rescisão contratual do contrato de gestão do governo com o SECONCI-SP, a Eiquip deve arcar com o ônus de ficar com um equipamento sem utilização.

Com o objetivo de contribuir para o total entendimento, a Eiquip apresentou ao SECONCI-SP declaração (tabela abaixo) que demonstra a "composição de preços" do contrato celebrado com a entidade, que inclui não apenas o equipamento, mas também os serviços acima mencionados.

Como se pode observar, o custo desses serviços para a Eiquip é de R$ 126.733, 56; portanto, sua margem de lucro é de 12%, que tem embutida a previsão de substituição do equipamento quando necessário.

Além de custos objetivos, a definição do preço da Eiquip também considera outros elementos, como os riscos de rescisão contratual e de obsolescência do equipamento - a evolução tecnológica aponta para a necessidade de se deve manter sempre equipamentos modernos.

Além disso, e muito importante, a Sul Imagem pratica condições especiais de locação para a Eiquip, não só pelo posicionamento que temos no mercado, como também pelo nosso objetivo específico de agregação de serviços.

Em segundo lugar, a empresa Eiquip faz parte do grupo Eigier que, desde 1977, presta serviços médicos na área de imagem e radiologia em unidades próprias e em diversos serviços de saúde. Portanto, nossas expertise e escala na gestão desses equipamentos de imagem são incontestáveis.

Importante esclarecer que o SEDI II foi inicialmente idealizado pelo Estado para que fossem agregadas, numa primeira etapa, as unidades sob gestão do SECONCI-SP que já possuíam equipamentos locados do grupo Eigier, de modo a não acarretar prejuízos aos respectivos pacientes.

Posteriormente, o SEDI II passou a incorporar outras unidades, de acordo com determinações contidas nos contratos de gestão, sem que houvesse qualquer alteração de valores dos equipamentos já em uso.

Em relação à questão de datas, esclarecemos que a Eiquip foi constituída em 1996, inicialmente para prestar serviços médicos, permanecendo sem atividade comercial por um período. Por questões comerciais, em 2010 teve seu objeto social ajustado para agregar os serviços de locação, manutenção e gestão de equipamentos de diagnóstico por imagem.

Todos os valores cobrados pela empresa, a título de gestão de equipamentos, estão dentro de parâmetros de mercado e incluem, não apenas a locação, mas instalação, manutenção, seguro e, principalmente, a substituição e modernização dos mesmos.

Em terceiro lugar, com relação à questão dos recebimentos, ditos como "antecipados", à Eiquip para a implantação dos serviços de ressonância magnética do AME São Joao da Boa Vista e do AME Araçatuba, de forma enfática afirmamos que não procede.

O contrato entre a Eiquip e o SECONCI-SP não se resume à simples locação, mas também a transporte, preparação do local e instalação do equipamento, além da constante manutenção, modernização, do seguro e da futura substituição.

Desta forma, os valores pagos, conforme previsão contratual antes do funcionamento dos equipamentos, englobam todo esse processo.

Conforme apresentado ao próprio SECONCI-SP, até mesmo para instruir defesa da entidade ao Auto de Infração, os contratos de aquisição dos equipamentos junto aos fabricantes estrangeiros foram firmados em setembro de 2013 e, apenas após isso, foi iniciada sua produção e deflagrado o processo de importação. A obrigação contratual com o SECONCI-SP começou com a obrigação de instalação e preparação do local - o que, obviamente, deve ser realizada antes da chegada do equipamento e leva aproximadamente 90 dias, o que justifica o recebimento da Eiquip".

A Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, por sua vez, informa que já forneceu as informações solicitadas pelo Ministério Público e segue à disposição do órgão.

"A pasta preza pela transparência, monitoramento e controle dos contratos de gestão, com rigorosa verificação de cumprimentos pela Secretaria, bem como acompanhamento de órgãos de controle (internos, como a Secretaria da Fazenda e Planejamento, e externos, como o Tribunal de Contas do Estado), parlamentares, representantes do Conselho Estadual de Saúde e profissionais renomados da área da saúde oriundos de outras instituições. Além disso, todas as informações referentes aos contratos de gestão são disponibilizadas no Portal da Transparência.

O aprimoramento da gestão e da qualidade dos serviços é preocupação permanente da pasta. Por isso, os contratos de gestão estabelecem os indicadores e metas de atendimento pelas OSS, que podem contratar pessoas físicas ou jurídicas para o atendimento à população. Devem também prestar contas ao Estado em relação ao uso dos recursos públicos que recebem, o que tem sido feito regularmente. Para toda e qualquer excepcionalidade constatada, ou apontada por órgãos de controle, são tomadas providências ou prestados os devidos esclarecimentos", finaliza.

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) enviou resposta preliminar aos questionamentos do MP/SP no último dia 8.

"Cabe ressaltar que os apontamentos, primordialmente, não compreendem unidades desta municipalidade e a administração busca informações mais detalhadas. A pasta está atenta a qualquer irregularidade nos contratos vigentes e totalmente à disposição do Ministério Público para qualquer esclarecimento e colaboração.

A SMS esclarece que a gestão atual promoveu reforço substancial no corpo de técnicos que analisam a prestação de contas dos contratos firmados com a pasta. Foram realizadas auditorias nos anos de 2016, 2017 e 2018, que resultaram em ampla revisão do cumprimento das metas qualitativas e quantitativas pelas organizações sociais, gerando, inclusive, descontos nos repasses.

A Controladoria Geral do Município de São Paulo está apurando o caso por meio da Corregedoria Geral do Município e da Coordenadoria de Auditoria Geral".

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